quarta-feira, 30 de novembro de 2016

É preciso ter empatia até com quem não tem...

Empatia é um exercício. Um exercício cotidiano, aliás. Mas como todo exercício corremos o risco de, de vez em quando, esquecer de exercitar. A excelência do atleta está justamente no quanto este treina e se exercita. Mas às vezes esquecemos. Ou seja, isso não significa que não temos empatia, mas que em alguns momentos ela nos falta.
Se falta a nós, a mim, a no caso, há de se esperar que também falte no outro. Ou seja, este se torna incapaz de olhar o outro com os olhos do outro, de se por no lugar do outro, de tentar sentir o mundo como o outro está sentindo e de, reconhecendo a dificuldade do outro - a dor, o medo, a ansiedade - compadecer-se (padecer junto), ter compaixão (sentir junto). Aliás, reconhecemos muito mais facilmente quando falta empatia no outro do que em nós mesmos.
Mas aí fica a questão: também não é válido se por no lugar deste e tentar entender o que o levou a não ter empatia naquele momento? Acusar de falta de empatia é fácil. Mas o que fica no lugar? E a empatia com quem não tem empatia?
Ao invés de acusar o outro de não ter empatia, não é o caso de tentar olhar o mundo como este olha ou olhou para entender seu ponto de vista?
Vou dar um exemplo: uma pessoa homofóbica. Acusar a homofobia é fácil, aliás uma pessoa homofóbica não dirá que é. Não estou dizendo que não devemos apontar a homofobia e apenas aceitar que há pessoas homofóbicas. Mas o que a faz homofóbica? Quais são os valores que essa pessoa carrega? Qual é o mundo que ela enxerga e qual mundo ela não enxerga, cega pelos seus valores?
No final, percebemos que toda e qualquer intolerância é sinal de falta de empatia. É o exercício de alteridade que não aconteceu. Aí não tem como: acabamos ficando com mais pena e dó dos intolerantes por estes serem fruto de uma sociedade e de uma cultura que os fez assim.
Acho que chegamos a um ponto bastante contestável, mas que, sem muita convicção, posso cravar: devemos ser tolerantes com os intolerantes. Não com os atos de intolerância, que fique claro!! Isso implica em um outro exercício: mostrar quais valores estes possuem que não os deixam ter empatia.
Resumindo: é preciso ter empatia até com quem não tem empatia ou não a exercita.

domingo, 3 de julho de 2011

Não leia esse post pois contém linguagem chula e heresias...

"Se fode aí..." Quantas vezes já escutei as pessoas dizendo isso umas para as outras. O que de fato não compreendo é essa história de querer o mal da outra pessoa. Eu sei, você deve estar pensando: o Catarina, virou moralista, cristão, será que está indo à igreja? Não, isso ainda não aconteceu. Mas de fato, quando penso que alguém vai olhar para o outro e comemorar a sua derrota, perda, sofrimento, ou rir de qualquer um desses acontecimentos da vida alheia, ela incoscientemente diz a si mesma: ainda bem que não sou eu.
Empatia. Esse é o nome da coisa que faz com que nos identifiquemos de maneira mais ou menos consciente com o outro. Sentimos as dores dos outros. E por bem ou mal, ficamos aliviados, constrangidos, doloridos, entediados tal qual as pessoas e o que elas fazem. Aliás, me sinto mal em rir de um tombo de um moleque andando de skate, ou de uma noiva que tropeça e cai sobre seu próprio vestido, ou quando alguém diz que não poderá sair e se divertir porque terá que trabalhar. Se fode aí, dizemos. Mas por quê não damos risadas quando a vítima, sei lá, morre. Tipo, imagino alguém gargalhando ao ver o pobre skatista tomar um tombo em um corrimão. Mas imagino o quão constrangido irá ficar ao saber que o cara morreu após o tombo.
Rir faz parte da natureza humana, rir já foi proibido e também é proibido rir de certas coisas. E rir do mal dos outros está nessa linha tênue. Em que momento eu devo rir da desgraça alheia, ou melhor, até que ponto eu devo rir dessa desgraça.
E a gente gosta mesmo de rir de desgraça. Piada com gay é engraçada porque você pensa que a desgraça já é o cara ser gay. Com negro, judeu, português, loira, pobre, é a mesma coisa. E aí, mora a maldade. E que maldade.

E rir nem é o maior problema, como vinha dizendo. Problema é o mal do "se fode aí". Caiu? "Se fode aí..."
Aliás, quando Deus gostou mais das oferendas de Abel do que de Cain, Abel deve ter dito: "se fode aí, Deus gosta mais de mim..." e quando Cain mata Abel, Cain agora fala: "e aí, quem se fudeu?" Por isso Deus ficou puto... Aliás, Deus sempre fica puto e joga desgraças e manda um "se fode aí". Terremoto? "se fode aí, Japão"
Agora entendem que rir das desgraças da vida é humano? Principalmente se a vida desgraçada é a do outro?
O que, leu essa parada até agora e ficou decepcionado? Como eu havia dito: "Se fode aí".

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O Poder do Mito - Por Ricardo Parra Catarina


O mito: construção racional-simbólica
A princípio temos a idéia de mito ligada a uma explicação estapafúrdia para algum acontecimento, algum feito, que, no entanto, não tem qualquer sentido de verdade, lógica e racionalidade. Aliás, o mesmo opera em uma lógica distante e diferente do que o pensamento dito científico e dito moderno nos coloca como explicação de mundo. Assim, mitos seriam apenas histórias fantasiosas que operam em um outro  sentido que não o lógico-ocidental-cartesiano e que por isso seria inválido.  A própria antropologia evolucionista resolveu o problema dos mitos associando-os a sociedades “primitivas” frente a fenômenos impactantes (como a morte, a origem do mundo). Seriam explicações primitivas, falsas; nada além de uma proto-ciência (LOPES DA SILVA; 2005; p. 324).
Todavia, podemos encontrar esses mitos (mitos fundadores, explicações para uma característica) em diversos povos do mundo, através da história, e/ ou encarcerados dentro de outras narrativas maravilhosas, onde acabam encontrando colaborações das ciências para que “deixem” de ser mitos”” (vide os inúmeros estudos e tentativas de explicações para eventos bíblicos, tais como a travessia do mar Vermelho feita por Moisés).[1]
Além disso, o mito tem um fundamento moral, no qual podemos dizer que as explicações dadas servem para afirmar ou negar determinados tipos de comportamentos e buscam dar explicações para elementos nocivos ou positivos para as sociedades envolvidas que aparecem então em forma de leis, regras, normas, tabus. Claude Levi-Strauss viria a discutir em sua antropologia estruturalista justamente essa função do mito, de estruturar sociedades a partir de totens e portanto tabus.
A sincronicidade e os arquétipos (presentes, por exemplo, na teoria jungiana) apresentados em mitos de diversos locais, em diversas culturas, nos dão, porém, a idéia da importância do mesmo nos nossos dias. Mais do que pensar esses mitos, é importante pensar que a sua lógica corresponde a uma lógica outra, anti-cartesiana por vezes.
Mitos podem ser vistos como narrativas simbólicas da origem do mundo. Por serem simbólicos, é necessário conhecer esses símbolos para compreender e traduzir esses mitos, que no entanto, farão sentido àqueles que compartilham desses símbolos, dentro de um contexto cultural.
Pensar que os mitos não possuem sentido, racionalidade, é deixar de lado que essas explicações fazem sentido para quem as utiliza. Assim, não são mitos e sim uma realidade, algo tão palpável, sensível e palatável quanto a física quântica e suas possibilidades teóricas, pautadas em uma racionalidade dita científica. Não podemos supor que o mythos se oponha ao logos, pelo simples fato de que há um logos dentro do mito, ou seja, o mito assimila e exercita esse logos. E a maior prova disso é o senso comum (LOPES DA SILVA; 2005; p. 327).  Se a explicação é suficiente, ela serve mais do que conceitos científicos arrojados e que não fazem sentido aos interlocutores.
Esse tipo de pensamento positivista, herdeiro de Auguste Comte pode ser alocado em sua “Lei dos Três Estados” que coloca esses mitos no estado teológico, no qual “se explica a realidade apelando para entidades supranaturais (os ‘deuses’), buscando responder a questões como ‘de onde viemos?’ e ‘para onde vamos?’; além disso, busca-se o absoluto”; (ARON; 2007) Porém na teoria de Comte este é o mais afastado do estado derradeiro e último, o positivo, ligado ao como, a ciência e ao progresso.[2]
            Os mitos traduzem sociedades e culturas, o que nos faz pensar que não devemos deslocar os mesmos como simples narrativas, transformando-os em lendas que, fora do contexto, se transformaram em mais uma história moralizante e/ ou fantástico-fantasiosa.
            Os mitos, por serem transmitidos através da oralidade, perdem em poder em relação da palavra escrita. Da mesma forma que um contador arroja o seu conto a plateia, alguém que compila os mitos em forma de lendas, com a boa intenção (devemos crer nisso?) de divulgar a cultura (no caso, a indígena, apenas como um exemplo), vai se utilizar de conceitos que pertencem àqueles que leem e não aqueles sobre os quais se fala. Os mitos, muitos verdadeiras cosmologias, com altíssimo grau de complexidade, são arranjados sob a forma escolhida pela editora, nivelado a histórias infantis, pueris, retiradas de contexto lógico-racional e visto como uma história contada ao pé da fogueira apenas como entretenimento, e não como uma forma de viver o mundo, viver no mundo e entender a si e ao outro.
Considerações finais
            Percebemos que os mitos apaziguam o espírito humano, tanto quanto a ciência. Servem de explicação para coisas que não temos como ou não podemos explicar. Diferem da ciência e da filosofia por se pautar em lógicas outras, mas por ser amplamente aceito nas culturas que estruturam (havendo uma relação dialética entre a estrutura da sociedade e o mito), possui caráter de verdade.
Por ser simbólico, dá margens a uma ampla variedade de interpretações, mas que, no entanto, não deve ser visto como lenda (algo preso no passado, na memória, estático), ou destituído de seu contexto original e sim como algo dinâmico e fonte de explicações para a sociedade em que é presente.


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Bibliografia
LOPES DA SILVA, Aracy; Mito, razão, história e sociedade: inter-relações nos universos sócio-culturais indígenas, in A temática indígena na escolaI (coletânea); MEC/MARI/UNESCO; Brasília: 2005.
ARON, Raymond; As etapas do pensamento sociológico; Dom Quixote, Rio de Janeiro: 2007.
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito / Joseph Campbell, com Bill Moyers; org. por Betty Sue Flowers; tradução de Carlos Felipe Moisés. - Palas Athena; São Paulo: 1990.

[1] Observe um exemplo em: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/divisao-do-mar-vermelho-e-explicada-por-cientistas – acessado em 3/12/2010.
[2] Lembrando que a própria bandeira nacional brasileira traz o lema positivista, “Ordem e progresso”