
Todo dia ele saía para ver o Sol se por. Todo dia ele amarrava os cadarços, vestia sua camiseta branca e chorava com a novela das oito. Todo dia ele abria os olhos, piscava, jogava uma água no rosto e conferia se após a escovação, sua boca ainda cheirava a latrina.
Nunca havia sido traído por uma namorada vírgem, dirigido um fusca azul ou transado drogas pesadas. Nunca viu a neve, caiu de cara nas areias de um deserto ou experimentou a água do mar para ver se era salgada.
Odiava cebola, pessoas que tocam em você para falar, ou que ficam repetindo "entende?". Que pensam? Não era retardado.
Sente medo da morte, vê a morte em cada esquina e acena para ela com um sorriso cínico entre os dentes amarelados pela cafeína.
Adora campos floridos. Adora montes verdejantes. Adora filmes com estrutura não linear, mesmo sem saber o que isso significa.
Em um dia ele não saiu para ver o Sol se por, esqueceu seus sapatos e pôs uma camisa vermelha. Sentou em frente a sua TV e mudou de canal de maneira descontrolada. Fugiu de si mesmo e em um instante de lucidez viu seu próprio corpo ser arrastado para um carro preto, ser enfiado em um porta malas pequeno, sem ventilação e ser jogado dentro um lago escuro, mesmo porque já era noite, e a Lua clareou suas mãos ensanguentadas, enquanto gritava que não sabia nadar.
Foi a última vez que sentiu em seus pulmões ar, antes de tê-lo preenchido por água com gosto de barro e pensar que aqueles malditos só queriam seu álbum da Copa do Mundo de 1994...
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